domingo, 29 de março de 2009

Caixa de guardar coisas

A coisa não está nem na partida nem na chegada, mas na travessia...
Guimarães Rosa

Ontem eu estava olhando umas fotos antigas, que estão em casa dentro de uma caixa, dessas de guardar coisas. Caixa de madeira, pesada de tanta saudade, caixa de guardar lembranças. A memória não suporta tantas recordações e diante de algumas delas, parecia estar pela primeira vez.

Fiquei surpreso ao me ver em algumas fotos. Algo perto de 10 anos atrás e quase não me reconheço. Cara de menino - e olha que já naquela época eu nem era mais - mas carregava no olhar algo de menino, de quem ainda não se deu conta de que o tempo, aos poucos, nos entrega suas marcas, na pele, nos cabelos, nas relações, nos sonhos. Então eu olhei para dentro da caixa e, como que revirando o próprio peito, entendi a importância do olhar atento para a vida. O atravessar as coisas pede cuidado às vistas, com os detalhes, com aquilo que pode se perder na crueza dos dias e no observar do movimento monótono dos ponteiros.

Eu aceitei a importância do gesto, mais do que da intenção, pois a existência pede a atitude do compartilhar e é nesse sentido que a experiência torna-se um bem inestimável, pois é única e, ainda assim, pode transformar o coletivo.

Eu compreendi a importância dessas coisas que o Teatro da Travessia quer dizer com Dias Raros, pois compartilhar experiências é uma atitude tão desafiadora quanto reconfortante. E quero as cicatrizes dessa travessia no corpo, pois desejo carregar essas marcas. E me reconfortar depois.

A travessia humana pelo viver nos coloca nessa perspectiva, que descartada tornaria nossa existência insípida. A certeza do início e a iminência do fim apenas, fariam da vida uma simples passagem, sem espaço para a experiência.

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